Texto de Paloma Franca Amorim.
O processo de construção da peça ‘A Casa dos Homens’ é o processo de construção do Coletivo 2ª Opinião. Creio que não dá pra falar de um sem falar do outro, quando produzimos algo coletivamente também estamos produzindo o próprio coletivo, entendo portanto que ao assistir à peça, as pessoas poderão ver um pedaço de nossas dinâmicas cotidianas de ensaios e encontros para debater a questão de identidade de gênero e todos os outros temas relacionados.
Em ‘A Casa dos Homens’ discutimos a estruturação dessa ideia social e cultural de masculinidade. Nós nos dedicamos ao estudo teórico, acadêmico por assim dizer, e à pesquisa de casos que se relacionassem com o dia-a-dia de nossa cidade, a quimera São Paulo. Além disso, houve uma intensa investigação prática – musical, literária, improvisacional – para que formalizássemos nossas reflexões.
Enquanto produzíamos a peça, fomos obrigados a lidar com a dificuldade e o prazer de nossas expectativas e frustrações internas, em nossas tentativas de organizar um coletivo à luz da perspectiva feminista. As contradições apontadas esteticamente em nossa peça foram muitas vezes contradições que vivemos em nossas atividades coletivas.
Algo do teatro que me parece muito interessante em relação ao debate de gênero é o trabalho com o corpo, a descoberta e emancipação da expressão corporal, a possibilidade de dissolução do dualismo do feio e do belo sobre a aparência dos participantes da cena (no caso do Coletivo 2ª Opinião a cena é composta não são somente por atores profissionais, mas também por pessoas que ainda estão dando os primeiros passos no teatro e que se lançaram coletivamente no desafio da interpretação teatral).
Nas artes cênicas muitas vezes o feio é belo e o belo é feio e o feio belo é tudo e é nada. O feio e o belo podem se misturar e portanto deixar de existir enquanto adjetivações sociais opressivas. Através da relação com o trabalho corporal existe a possibilidade de confronto com alguns referenciais hegemônicos e reducionistas da ideia, discriminatória ideia, de beleza e de comportamento. Claro que me refiro a um teatro político e público, praticado por grupos e pessoas que se preocupam com a problematização estética da questão de gênero através da forma e, sobretudo, do conteúdo.
Em nossa peça falamos de um imaginário social machista que se revela através do sonho das personagens. Dormir não é um descanso, são noites em claro de trabalho imaginativo e memorial de descoberta das amarras diárias, públicas e privadas, as quais determinam o machismo como base de comportamento social. Em nossa ficção, tentamos reverter os ideais normativos que povoam os pensamentos elaborados no ato de sonhar a nosso favor, para que se possa na medida do impossível destruir sonho a sonho o pesadelo real, concreto, cotidiano.
Ao longo desses quase dois anos de Coletivo 2ª Opinião eu aprendi muita coisa sobre teatro feminista, fiz escolhas que definiram para sempre minhas escolhas artísticas e políticas. Aprendi preceitos éticos feministas que norteiam minhas ações no mundo e a forma com a qual eu tento veicular meus discursos. Percebi que não estou sozinha, que posso me organizar com pessoas que também acreditam em uma perspectiva política que fortalece cada dia mais os próprios músculos na contracorrente do heteropatriarcado. Pelo teatro, buscamos outras formas de elaboração e de difusão simbólica da realidade social.
Cartaz da peça teatral ‘A Casa dos Homens’ do Coletivo 2° Opinião.
UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA PEÇA ATÉ AGORA
Em dezembro de 2012, no espaço do Condomínio Cultural Mundo Novo na Vila-Anglo, zona Oeste de São Paulo, uma primeira experiência cênica intitulada Bom Dia, Ruína foi realizada e contava com apenas três atores em cena. À medida que as apresentações desse exercício teatral foram acontecendo, mais pessoas se juntaram ao Coletivo 2ª Opinião e fez-se necessária a ampliação do olhar sobre a temática originalmente escolhida como elemento disparador da encenação. Se em um primeiro momento o grupo elegeu uma personagem feminina para ocupar o protagonismo da ação cênica, em ‘A Casa dos Homens’ essa individualização se dispersa e a discussão das relações sociais de gênero se dão a partir de figuras coletivas, isto é, personagens cujos aspectos da subjetividade descortinam condicionamentos ligados às práticas sociais e culturais. O Coletivo 2ª Opinião entende que encenar e debater as questões relativas à opressão histórico-social de gênero significa lançar um olhar crítico sobre o Estado patriarcal diretamente ligado à opressiva maquinaria do capital e suas resultantes culturais, na esfera pública e na esfera privada.
SOBRE A TEMPORADA NA SEDE LUZ DO FAROESTE E A OCUPAÇÃO CULTURAL AMARELINHO DA LUZ
O Coletivo 2ª Opinião junto a outros nove coletivos de teatro e cinema faz parte da Ocupação Cultural Amarelinho da Luz, no bairro de Santa Ifigênia na região da Luz. Fomentar a produção cultural de forma crítica nesta região de São Paulo é organizar espaços de atuação sobre as condições sociais e políticas que regem as atividades artísticas nas áreas marginalizadas da cidade de São Paulo, a favor do próprio contexto periférico e da população que o constitui. Em parceria com a Cia. Pessoal do Faroeste, estes nove coletivos portanto estão trabalhando para elaborar discursos artísticos que dialoguem com a região da Luz, pejorativamente nomeada Cracolândia, para que desse modo seja possível problematizar as políticas públicas que ordenam as decisões sobre a mesma e suas resultantes sociais, geopolíticas e culturais.
‘A Casa dos Homens’ faz parte de um circuito maior de atividade cultural, também de dimensão transversal e coletiva. Para saber mais sobre a Ocupação Cultural Amarelinho da Luz vá até o blog Amarelinho da Luz – Ocupação Cultural.
A temporada na sede Luz do Faroeste ocorrerá de 7 a 29 de setembro de 2013, aos sábados e domingos. Aos domingos haverá debates posteriores à apresentação da peça com convidadas e convidados, dentre os quais: Terezinha Vicente, Rodrigo Cruz, Leona Jhovs, Natalia Ribeiro e Laerte Coutinho, pessoas envolvidas na luta contra a opressão de gênero, cada qual em sua esfera de atuação política e artística.
Mais informações sobre os debates e as atividades do 2ªOpinião serão divulgadas em nossa página do Facebook.
INFORMAÇÕES
Peça ‘A Casa dos Homens’.
Sinopse: na hora de dormir, mulher e homem reconstroem em seus sonhos os momentos mais importantes de suas trajetórias individuais e sociais. A atmosfera onírica é o meio através do qual se torna possível resgatar lembranças da juventude marcada por valores machistas frutos de uma sociedade patriarcal. Desde o momento de despertar até as batalhas contra os exílios sociais reservados àqueles que sofrem discriminações de gênero, as personagens vivem o aprendizado do próprio corpo e da própria História. A partir da tomada de consciência sobre essas estruturas sociais nasce o desejo: despetalar, sonho a sonho, o pesadelo.
7 de setembro a 29 de setembro
Sábados às 22hs e domingos às 19hs
Sede Luz do Faroeste – Rua do Triunfo, 305 – Santa Ifigênia – Centro.
Pague quanto puder!
FICHA TÉCNICA
Elenco: Anders Rinaldi, Bia Bouissou, Felipe Pitta, Ighor Walace, Juliana Bruce e Julia Spindel.
Músicos: Débora Leonel, Maria Menezes e Pedro Fraga.
Iluminação: Isa Giuntini.
Assistente de Iluminação: Paula da Rosa.
Dramaturgia: Paloma Franca Amorim e o coletivo.
Encenação: Raquel Morales.
Cenografia: Paloma Franca Amorim, Isa Giuntini e Raquel Morales.
Projeto Gráfico: Paloma Franca Amorim.
Assessoria de Imprensa: Julia Spindel e Paula da Rosa.
Colaboradores: Juliana Bruce, Luka Franca, Erêndira Oliveira e Coletivo de Galochas.
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Paloma Franca Amorim é dramaturga do Coletivo 2ª Opinião, professora, ilustradora e cronista nas horas vagas. Não sabe comer de boca fechada e adora falar um palavrão.